6.9.10

Um tormento

Não existe culpado. A culpa é do que tá aí fora pra ser provado. Testado. Analisado. Tá aí pra todo mundo ver. Só que você não provou. Você caiu de cabeça lá dentro e aqui de fora não dá nem pra ver sua mão erguida em sinal de ajuda. É um buraco sem fim.E eu não sei o que aconteceu pra tudo ter chegado a esse ponto. Quando veio de encontro a mim era puro, limpo. E quem se atirou no buraco fui eu. Queda livre. Muitos segundos. Essa sensação resume tudo o que eu poderia sentir. Mas passou. Escalei os únicos e últimos pilares firmes dessa velha construção e respirei. Daqui de cima dá pra ver o abismo em que eu estava.

Mas quando eu saí, sem notar trouxe um pé sujo de lama. São seus passos. Eles ainda me seguem. Ainda que eu desvie, eles ainda me seguem. Ainda que eu busque outros caminhos, parece ser você pintar as faixas das rodovias por onde eu passo, parece ser você trocar as luzes do farol, parece ser você. Aparece sempre você. Termina sempre em você. Eu não procurei e hoje é o que eu mais procuro. Tentei sim tirar de mim o incômodo que esse seu cheiro traz, mas ele é do tipo que aguça e cega. É do tipo que infesta o quarteirão e em minha defesa saio a te procurar e pedir de uma vez por todas pra que você se livre também. Foi em vão. Desisti no meio do caminho. Olhei pra trás e vi todas as respostas. Encontrei todas as outras portas abertas.Busquei em mim todas as maneiras de me livrar do peso que o seu abraço traz, mas eu confundi e deixei, mais uma vez, que eles me oferecessem o lugar mais seguro que um desesperado pode ter. Chorei. Pedi pra que nunca mais isso acontecesse. Não comigo. Sei lá, procura um ar que não seja o meu, mas, por favor, eu disse, não volta.

Teimoso, voltou.
Firme, resisti. Mil e uma vezes não. E
, de novo, passou. Livre, decidi não gastar tempo procurando, desejando ou qualquer outro ando que seja.

A frente e só a frente me interessava. A real é que você não cabe nos meus planos. Apesar de ter o tamanho exato. Você não faz parte daquilo que escolhi pra mim, mesmo estando dentro das minhas escolhas. E outra vez buscou o mínimo de espaço que eu deixei entre um dia e outro e encontrou a forma exata de passar por ele e me atingir em cheio novamente. Dessa vez foi por completo, trouxe todas as armas, todos os truques, e sabia disso; sabia também que o meu armamento para essa guerra estava escasso. Quando caí no chão tive a certeza: ainda havia lama nos meus sapatos.

E dessa vez, a última, você quebrou todas as barreiras e fez com que toda essa lama que te persegue, inundasse quem cerca a mim também. Os dias não têm mais fim. Plano sequência. Segue direto, acordado, do jeito que for. A cena se repete dia e noite num curto espaço de tempo. A volta do incômodo, mas justo agora? Justo. E agora. Sabendo da liberdade que nos prende, esqueci algo meu em você e você faz questão de me lembrar toda vez. E agora tem piorado a cada dia. Sinto raiva. Não sei o motivo. Nada me pertence. Nada tem valor. É só sentimento. Puro sentimento. Que foi atropelado e sem reação ignorei o mundo por segundos. Era de novo você. Um tormento. O meu tormento.

Agora não é simplesmente só você e sim um episódio de um dia inteiro. Bem no dia em que guardei pra mim algumas horas que mereciam ser lembradas. Rasguei o verbo. E agora lembro de todas elas. Seguro o choro por não conseguir me livrar. Não tenho decisões prévias para esse nosso caso. Vou deixar como está. Não aceito nada nem ninguém que possa chegar perto do que foi meu, do que se mostrou presente em todas as etapas. Eu sou assim.

Que toda carência seja perdoada.

Que todo medo seja liberto.

Que todo erro seja a chance de um novo começo.

Um pé a menos na lama.

Um comentário:

Leonado Postali disse...

Lindo! fazia tempo que não lia uma coisa tão bonita.